Salada fria e tempo quente

16 Apr 2015

(*) por Luiz Carlos Bhering Nasser

Está quente. Quando o ponteiro indica nove horas da manhã uma nuvem esparsa de poeira flutua sobre um extenso campo de hortaliças. O ar está sequíssimo e as temperaturas chegam perto de 40 graus. Estamos na cidade de El Centro, na Califórnia, perto da fronteira com o México. Dr. Beiquan Mou, geneticista do Departamento de Agricultura dos EUA, estampa um sorriso porque suas alfaces roxas estão reagindo bem a essas condições.

A alface é uma planta delicada e precisa ser paparicada e protegida em temperaturas amenas. Acima dessa temperatura ela sofre e a taxa de perda e desperdício é alta. A perspectiva de aumentos de temperaturas provocada pelo aquecimento global é uma péssima notícia para a sua salada e para um mercado que não para de crescer. O vale de Salinas, no norte da Califórnia, abastece 60% do mercado de alfaces nos EUA. A região se beneficia de correntes de ventos frescos que vêm do Pacífico.  No futuro é possível que essa região se pareça com El Centro, onde o clima é quente seco e árido. Essa mesma transição ameaça outras regiões. Se os prejuízos para o mercado de alface podem chegar a cinco bilhões de dólares/ano, segundo estimativas, as cifras para outros produtos agrícolas são inestimáveis. É por isso que hoje há pesquisas em ambientes de clima extremo, como forma de se preparar para um futuro incerto.

O trabalho do Dr. Mou é um exemplo do tipo de trabalho que precisa ser desenvolvido para o futuro. Desde 2010 ele lidera uma pesquisa para encontrar as alfaces mais resistentes ao calor. Graças a um financiamento público, ele já testou mais de 3.500 variedades de alface e espinafre em uma câmara quente de laboratório, expondo-as a temperaturas altíssimas e registrando os resultados. O objetivo é identificar as variedades mais resistentes e isolar os genes que favorecem sua sobrevivência.

No futuro não muito distante os vencedores dessa verdadeira luta chegarão ao prato do consumidor. As alfaces do futuro terão o mesmo sabor, mas graças a pesquisas como as do Dr. Mou, elas terão vindo de desertos e vários outros ambientes.

Mas o caminho não é fácil. Muitas das plantas do campo do experimento de alface acabam parecendo mutantes que em nada se assemelham às variedades que encontramos em supermercados.  Algumas crescem quase meio metro, na tentativa de florescer rapidamente, em reação às condições extremas em que a planta sobreviverá por pouco tempo. Outras ficam com o gosto muito amargo.  Isto porque o sabor de uma variedade pode ser afetado pelas condições climáticas. O aquecimento global determinará no futuro a composição da salada.  Desenvolver uma super-alface resistente exige tempo e dinheiro. O futuro será quente.

(*) Luiz Carlos Bhering Nasser é membro do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS), Agrônomo; Pós-Doutor em Biologia Ambiental e Professor Coordenador do Curso de Pós-Graduação de Análise Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do UniCEUB.

Fonte: CCAS



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