Como surgiu a preocupação com o bem-estar animal?
A preocupação com o bem-estar animal está cada vez mais presente na cadeia produtiva da carne, seja por exigência do consumidor seja por uma conscientização que vem crescendo aos poucos sobre a importância do tema para a produção de carne de qualidade e segurança alimentar.
Pouca gente sabe, porém, que a preocupação com o bem-estar animal é muito antiga e consta em textos escritos há mais de 4 mil anos, como no Velho Testamento, da Bíblia. “Caso não goste do seu vizinho, isto não o isenta da necessidade de acudir seu animal encontrado enfermo ou em sofrimento, sendo sua obrigação acudi-lo” e “Após o dia de trabalho, é obrigação sua alimentar o animal usado antes mesmo de você se alimentar” são passagens que exemplificam a situação.
Já sob o aspecto jurífico da legislação brasileira, maus tratos aos animais é crime desde 1934, passível de multa e prisão a quem o pratica e ao proprietário que tem sob sua guarda esses animais e permite que sejam maltratados. Inclui-se nos maus tratos atitudes como conservar animais embarcados por mais de 12 horas sem água e alimento; ou encerrar em curral ou outros lugares animais em número tal que não lhes seja possível moverem-se livremente.
O tema começou a ganhar mais espaço entre os consumidores a partir de um livro escrito em 1964 pela inglesa Ruth Harrison, com o título “Máquinas Animais”, que possibilitou ao público em geral entender e enxergar como eram tratados os animais que se transformariam no alimento carne. Até então, a imagem para o consumidor, o morador da cidade, era algo bucólico, mostrado em fotos ou pinturas de campos, com bois e vacas se alimentando de capim. A relação homem – bovino era mostrada como sendo de total tranquilidade e ausência de agressões. Nestas fotos e pinturas não era retratado o manejo do dia a dia, como vacinação, castração, descorna, identificação a fogo e outras práticas, em uma relação de estresse e cansaço para ambas as espécies.
Foto: Centro Experimental de Manejo Racional, no interior do PR, faz com que os próprios pecuaristas possam passar pelas experiências de seus animais. Divulgação / Beckhauser. |
Ruth expôs esta relação verdadeira e o consumidor não gostou do que viu, exigindo dos órgãos responsáveis e produtores o cumprimento de normas já estabelecidas e o desenvolvimento de pesquisas que minimizassem o sofrimento, a angústia e a dor desses animais.
O médico veterinário Rogers Brambell, em 1965, foi encarregado de relatar tecnicamente a realidade existente e confessou não ter conhecimentos suficientes para mensurar os itens mencionados. Havia a necessidade de se produzirem códigos de conduta para criação das várias espécies de animais de produção. Formou-se, então, em 1967, uma Comissão que passou a pesquisar e analisar os manejos e suas implicações morais e na qualidade da carne. Esta Comissão transformou-se em Conselho, 12 anos depois, em 1979. Somente em 1993 (29 anos após Ruth ter publicado “Máquinas Animais”), a Comissão, ainda presidida por Brambell, editou a Declaração Universal de Bem-Estar Animal, onde constam as “Cinco Liberdades” (Five Freedom), que permitem avaliar a propriedade, a indústria e o manejo, quanto ao respeito e bem-estar dos animais:
• Liberdade Fisiológica – ausência de fome e sede (alimentação = quantidade + qualidade);
• Liberdade Ambiental – ausência de desconforto térmico ou físico (instalações e ou edificações adaptadas);
• Liberdade Sanitária – ausência de injúrias e doenças (física ou moral)
• Liberdade Comportamental – possibilidade para expressar padrões de comportamento normais. O ambiente deve permitir e oferecer condições;
• Liberdade Psicológica – ausência de medo e ansiedade. O animal não deve ser exposto a situações que lhe provoquem angústia, ansiedade, medo ou dor.
Nessa trajetória, vale destacar o papel do Decreto-Lei nº 64/2000 de 22 de Abril, que define que, no Brasil, o proprietário ou detentor dos animais deve tomar todas as medidas necessárias para assegurar o bem-estar dos animais ao seu cuidado e para garantir que não lhes sejam causado dores, lesões ou sofrimentos desnecessários. A lei deixa bem clara a responsabilidade dos gestores e proprietários na capacitação de seus funcionários em relação às normas de bem-estar animal e sua aplicação.
Iniciativas em diversos níveis vêm sendo criadas para posicionar esse tema como estratégico para a produção de alimentos à base de proteína animal. A partir de janeiro de 2013, entrou em vigor na União Europeia o Regulamento 1099/2009 que prevê diversas exigências para o abate baseadas nos resultados de pesquisas sobre bem-estar animal. Só podem, por exemplo, ser abatidos após atordoamento, seguindo requisitos claros sobre a perda de consciência antes do processo industrial. O regulamento também aponta que as importações vindas de países fora da UE devem seguir os mesmos requisitos exigidos para os países do bloco, acompanhadas de um certificado que confirme a observância das regras ou aplicações correspondentes.
Ainda em janeiro, Brasil e UE assinaram um convênio e instituíram um grupo de trabalho para intercâmbio regular informações e cooperação técnica para o bem-estar de animais de produção.
A Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), referência para os padrões veterinários no âmbito da Organização Mundial do Comércio, da qual o Brasil é signatário, tem uma divisão específica para pesquisa e aplicação dos padrões de bem-estar animal. A OIE estabeleceu o bem-estar animal como uma prioridade estratégica em seu planejamento e o Conselho Federal de Medicina Veterinária brasileiro também.
Para tratar do tema, o Brasil sedia de 11 a 13 de junho o Workshop Internacional sobre Bem-estar dos animais de produção (veja link com a programação logo abaixo), com a participação de especialistas de renome mundial para o bem-estar animal. É um importante passo para que o tema entre definitivamente na pauta da pecuária.
Há um longo caminho, porém, a ser trilhado para que o conceito de bem-estar animal seja aplicado corretamente no dia a dia das fazendas. Isso envolve, principalmente, o treinamento e capacitação das equipes de lida com o gado. Nesse sentido, ganham destaque as iniciativas da Beckhauser ao longo dos anos em promover cursos de bem-estar em animais de produção e manejo racional em fazendas por todo o país, eventos do setor e, mais recentemente, com o Centro Experimental de Manejo Racional, localizado na Fazenda Arca de Noé, em Guairaçá (PR), que conta com uma estrutura toda pensada para proporcionar conhecimentos teóricos e práticos a diversos públicos envolvidos com a pecuária: tratadores, técnicos, estudantes, médicos veterinários e zootecnistas e pecuaristas.
O próximo curso de manejo racional aberto ao público será nos dias 6 e 8 de junho. Nas aulas teóricas serão debatidas a importância econômica do bem-estar em animais de produção, a infraestrutura para a pecuária, a aplicação de medicamentos, o manejo racional e outros temas.
Já as aulas práticas serão realizadas no curral modelo (imagem abaixo) do CEM, projetado de acordo com padrões internacionais de manejo racional, onde os alunos poderão visualizar exemplos de cuidados com a infraestrutura que impactam diretamente no manejo com o gado, assim como terão a oportunidade de visualizar a diferença proporcionada por diferentes tipos de contenção para os resultados do manejo, e aplicar os conceitos aprendidos na teoria no manejo real com animais no curral.
As inscrições podem ser feitas pelo e-mail cem@beckhauser.com.br. Mais informações pelo link abaixo:
- Curso bem estar animal
+ Brasil perde 10 milhões de quilos de carne por ano por conta de lesões
+ Brasil e União Europeia firmam acordo sobre bem-estar animal
+ Programação do Workshop Internacional de Bem-Estar dos Animais de Produção
+ Conceito de bem estar animal na prática é abordado em artigo