Administração estratégica agropecuária: importância e procedimentos

25 May 2011
Qual é o público-alvo de cursos para administração e gestão agrícola? A pergunta causou estranheza à médica veterinária Soraya Tanure, Mestre em Produção Animal, Doutoranda e Pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). De acordo com Tanure, todos que têm relação profissional com o campo devem procurar cursos na área.
A valorização dos insumos nas últimas décadas e as margens de lucro apertadas pelo fato de ter que produzir alimentos com custo reduzido para uma população cada vez maior conduz os agropecuaristas para soluções que, às vezes, não estão de acordo com suas experiências empíricas ou tradições regionais.
Veja a conversa na íntegra:
Quando foi que o produtor rural começou a se preocupar com gestão / administração agrícola e qual sua evolução até hoje?
Soraya Tanure: Infelizmente o produtor rural, bem como a maioria dos atores envolvidos nas cadeias produtivas do agronegócio, manifesta pouco (ou nenhum) conhecimento sobre os aspectos relativos ao gerenciamento e, principalmente, à tomada de decisão.
Nas últimas décadas, com a valorização dos principais insumos de produção (terra e grãos) e o aumento dos juros em créditos ou financiamentos rurais, a organização do sistema produtivo (leia-se propriedade ou empresa rural) passou a ser imprescindível para a permanência do produtor rural no negócio. Assim, a busca por distintas áreas do conhecimento, associadas à experiência prática e vivência com o agronegócio, originam melhores administradores e é fundamental para a sobrevivência. Ainda assim, pouco tem sido disseminada ou mesmo procurada pelos “homens do campo”.
No entanto, existem entusiastas do setor (instituições de ensino, professores e pesquisadores) que têm procurado ofertar cursos ou mesmo disciplinas dentro de cursos já existentes e tradicionais na tentativa de disseminar conhecimento e enaltecer a extrema relevância do tema.
"No setor agropecuário, há uma tradição regional que impera sobre a implantação de novas tecnologias e abertura de novos mercados" |
Influência da regionalização
No setor agropecuário, há uma tradição regional que impera sobre a implantação de novas tecnologias e abertura de novos mercados. Logo, boa parte da tomada de decisão ocorre baseada em experiências empíricas, com pouco fundamento teórico e baixíssimo conhecimento de mercado regional, nacional e mundial.
Além disso, vale ressaltar que o produtor rural possui um comportamento avesso ao risco, o que também dificulta a busca por novos investimentos ou ainda por simples mudanças na rotina das propriedades de forma a modificar os sistemas produtivos e alterar significativamente os atuais índices agropecuários praticados no país.
Por fim, vale lembrar que o conhecimento empírico ou prático e as linhas de comportamento avessas ao risco não devem ser encaradas como aspectos pejorativos. Devemos evitar, no entanto, que apenas a prática ou o empirismo guie a tomada de decisão no setor primário ou ainda que a aversão ao risco seja tão preponderante e imutável que impeça o produtor de lançar mão de novas ferramentas tecnológicas de gestão e mudança da produção.
"Resumidamente, poderíamos afirmar que produzir com qualidade é produzir aquilo que o mercado deseja!" |
Quais os principais conhecimentos que o produtor deve ter para aumentar renda, diminuir custos e evitar ficar à mercê das condições de mercado?
Inicialmente, deve ficar claro que o mercado é quem decide o preço e dita as regras praticadas nas commodities. Além disso, nosso país ainda deve percorrer um longo caminho até ser capaz de produzir “marcas” ao invés de produzir carne, leite, grãos, entre outros.
Assim, devemos ter conhecimento do mercado onde estamos inseridos para negociar e eventualmente “barganhar” possíveis vantagens. Outro ponto fundamental é ter conhecimento da própria realidade, que inclui conhecer “extraordinariamente” bem seu próprio sistema de produção (animais, pastagens, solo e aspectos metereológicos), ter vocação e congregar estes dois “pilares” para analisar e discernir se o sistema praticado é o ideal para as condições da região (capacidade física do ambiente, logística e mercado) onde a propriedade (ou a produção) está inserida.
Também merece destaque o conhecimento da qualidade da sua produção ou ainda buscar produzir qualidade, pois essa é uma das principais vantagens competitivas do produtor em relação aos seus vizinhos (nacionais e internacionais) e deve fazer parte do planejamento estratégico e do plano de negócio de qualquer empreendimento rural. Produzir com qualidade e sustentabilidade eleva o “status” do produtor, que passa a agregar valor ao seu produto através da diferenciação da produção.
Resumidamente, poderíamos afirmar que produzir com qualidade é produzir aquilo que o mercado deseja! E retornando ao início desta questão, quando foi apresentado que o mercado é o responsável pela formação dos preços, fazemos o fechamento do raciocínio, acreditando que, ao atender o mercado, seremos remunerados com valores compatíveis aos custos de produção (hegemonia da teoria do “mercado ideal”, que nem sempre é observado, mas deve ser considerado por estar entre as prerrogativas de um futuro próximo).
"Acredito que todos os envolvidos com o segmento “agro” devem possuir conhecimentos relacionados à administração e a tomada de decisão" |
Qual é o perfil das pessoas que devem buscar cursos de administração rural e gestão agrícola?
Confesso que esta pergunta me causa um pouco de estranheza e desconforto. Acredito piamente que todos os atores envolvidos com o segmento “agro” devem obrigatoriamente possuir conhecimentos relacionados à administração e a tomada de decisão. Contudo, diante da realidade observada e das experiências em sala de aula e no trabalho de campo nas propriedades rurais, observo que apenas os mais jovens ou ainda aqueles que possuem cargos hierarquicamente superiores em empresas comerciais (mas que estão distantes do chão de fábrica, isto é, do campo e da terra) buscam por algum conhecimento relacionado ao “AGRO – NEGÓCIO”.
Tal realidade nos leva a um quadro desastroso, pois os jovens, ao retornarem para o campo, encontram barreiras relacionadas à formação tradicional, por vezes antiquada, dos seus superiores e retrocedem, gerando um ciclo vicioso que se perpetua no Brasil há décadas (vide sucessão familiar na agropecuária).
No caso dos gestores “comerciais”, o caso é ainda mais grave. O conhecimento adquirido em cursos que são geralmente relacionados apenas ao marketing e muito pouco à produção propriamente dita, não é disseminado para aqueles que estão em posição hierarquicamente inferior. Quando isso ocorre, o repasse de conhecimento se dá de forma equivocada, sem a apresentação dos reais benefícios da mudança de algumas práticas, e sim apenas como um simples coadjuvante do aumento de lucros, gerando nos funcionários um descrédito e desestímulo às possíveis mudanças.
Em cursos de administração rural, há alguma disciplina que trata da gestão de compras?
A estruturação e a dinâmica da maioria dos cursos de administração rural são focadas na demanda local, ou seja, se houver interesse do público, a disciplina de compras será incluída no currículo.
Tradicionalmente, a gestão de compras é tratada de forma superficial (muito pouco abrangente) ao considerarmos a “gestão de processos” como disciplina base e em sua ementa incluirmos a relação de fornecedores no elo insumo – produto. Embora eu considere este ponto fundamental para o bom entendimento do sistema, a inclusão da disciplina está fortemente relacionada à formação do professor, que infelizmente, na grande maioria das vezes, prioriza outros pontos como, por exemplo, a contabilidade, perdendo assim o foco na gestão do sistema como um todo e centralizando suas aulas no cartesianismo de planilhas pré-definidas.
No entanto, ao buscarmos cursos multidisciplinares com professores de distintas formações (engenheiros, economistas, administradores e profissionais das ciências agrárias), este cenário poderá ser modificado (este é o desafio!), pois seremos capazes de quebrar nossos próprios paradigmas e fornecer à sociedade uma visão mais sistêmica e realista das verdadeiras demandas do setor.
Somente com conhecimento seremos capazes de incrementar e diferenciar nossa produção, agregando valor ao produtor e desbravando novos mercados |
Como evitar atravessadores de negócios e oportunistas que cobram ágio, por exemplo, em épocas de escassez de produtos no mercado?
Diante da situação apresentada na questão, acredito que a utilização de contratos e parcerias (também determinadas por contratos) são as melhores opções para garantir segurança e perspectivas de futuro (leia-se períodos de entressafra).
Atualmente, o cenário de “oportunistas” é o mesmo tanto na lavoura quanto na pecuária. No entanto, os pecuaristas tendem a serem mais “reféns” desta situação já que boa parte não produz um produto com qualidade final desejada pelo seu cliente imediato, o frigorífico. Além disso, “estocar” os animais até que eles obtenham as características desejadas ou até que o mercado oferte bons preços não é uma tarefa fácil e depende fortemente de espaço físico e organização. Então, depende da administração. E como fazê-lo se poucos têm este conhecimento? – Retornamos ao ponto inicial!
No caso da produção de grãos, o estoque, embora economicamente oneroso, é mais plausível e viável. Para este fim, existem silos e empresas especializadas. Além disso, vale destacar que o produto “grão” em geral é mais homogêneo e atinge mais facilmente as características do mercado padrão, quando comparado com o produto “carne”.
Para finalizar, gostaria de novamente destacar a importância de conhecermos nosso trabalho desde o chão de fábrica (campo) até o consumidor final (atacado e varejo) e utilizar essa visão prática na busca por teorias e técnicas de administração capazes de favorecer o incremento da produção e as receitas das empresas rurais.
Somente com conhecimento seremos capazes de incrementar e diferenciar nossa produção, agregando valor ao produtor e desbravando novos mercados, além de avançar nas imensas fronteiras agropecuárias ainda mal exploradas no Brasil. Acreditar que os produtores rurais brasileiros são capazes de produzir um produto com características diferentes daquelas produzidas no resto do mundo e que ainda há muito a produzir pode ser o primeiro passo na busca de qualificação e amplitude de visão dos homens do campo.
Fonte: Rede Rural Centro