Qual a verdadeira função de um bom inoculante e qual deles escolher na prática?
26 Jul 2021
Nada substitui as boas práticas para a confecção de silagem, o inoculante é uma ótima ferramenta para padronização da fermentação
Artigo escrito por Luciano Carvalho Inácio, médico veterinário e diretor comercial da Kera
Em todo o mundo temos uma estação em que as forragens são abundantes e outra, por estiagem ou por frio, em que são escassas. O advento da ensilagem foi uma das maneiras pelas quais o homem viabilizou a estocagem da forragem produzida no período em que elas abundam para alimentar seus rebanhos no período de escassez.
A ensilagem nasceu no início do século XIX, quando um agricultor alemão imitou o processo de produção do chucrute na conservação da forragem para seu rebanho. O processo foi copiado por um agricultor francês que logo escreveu um livro contando suas experiências e através deste livro elas foram difundidas nos Estados Unidos e depois na Inglaterra. Com o passar do tempo e fruto da observação e da ciência, o processo foi sendo entendido e aperfeiçoado até chegar aos nossos dias.
Etapas da estabilização da silagem:
1- Fase aeróbica:
Esta fase inicia com o corte da forragem e cessa quando se consome o oxigênio dentro do silo. Nesta fase, as enzimas da forragem hidrolisam os carboidratos compostos (açúcares, amido, hemicelulose) a açúcares solúveis, que são o alimento que as BAL utilizam para produzir ácido lático. Essas enzimas também hidrolisam proteínas (proteólise) a peptídeos, aminoácidos, aminas e amônia. A proteólise é indesejada para ruminantes e o nível de amônia de uma silagem é um bom indicador da sua qualidade. A respiração da forragem é nociva porque produz perda de MS e de açúcares solúveis (que se transformam em CO2, água e calor), os quais são indispensáveis às BAL (Bactérias ácido Láctica).
Também, enquanto durar a respiração, os microrganismos aeróbicos se multiplicam, são eles: fungos, bactérias acéticas, bacilos e leveduras, estas últimas podem respirar ou fermentar e se desenvolvem em maior proporção quando respiram. A multiplicação destes microrganismos compromete a estabilidade aeróbica quando o silo for aberto.
Esta fase é inevitável, mas reduz tanto mais, quanto melhor for a compactação.
2- Fermentação:
O processo de fermentação é o fundamento da conservação da silagem. Os açúcares solúveis são transformados em ácido lático, o pH cai e com ele, se alcança a estabilidade da silagem até a abertura do silo.
Em silagens bem fermentadas, à medida que cai o pH, as enterobactérias se inativam e as BAL predominam na fermentação. Quanto mais rápida for a queda do pH, menores serão as perdas de MS e energia.
Ao contrário, quando a fermentação é lenta ou insuficiente, os clostrídios podem predominar no lugar das BAL. Estes preferem MS baixa, assim, silagens com MS ao redor de 30% não costumam ter predominância de clostrídios. A qualidade da fermentação incide diretamente na produtividade e consumo do rebanho.
Em situações normais deve-se usar bactérias láticas, pois essas bactérias são responsáveis pela produção de ácido lático que fará com que a silagem se estabilize rapidamente (48 horas aproximadamente) desde que a concentração das bactérias do inoculante sejam adequadas e esse inoculante tenha sido armazenado refrigerado (bactérias láticas enquanto inativas são sensíveis a altas temperaturas). A literatura mostra muitos resultados em desempenho e redução de perdas como os apresentado a seguir:
Efeito da qualidade da fermentação no ganho de peso de gado de corte sem suplementação da ração (Kg/dia).
Esta segunda tabela mostra o efeito do tratamento com (CON) e sem (MC) inoculante na silagem de milho, no desempenho de vacas leiteiras. E em seguida temos o gráfico floresta de uma meta-análise, mostrando os efeitos da inoculação sobre a produção de leite (Kg/d) em vacas leiteiras (0,37 Kg/d) (p= 0,056).
Abertura do silo:
Quando o silo é aberto, os microrganismos aeróbicos começam a se multiplicar. O primeiro sinal de instabilidade aeróbica é o aquecimento da silagem, seguido pelo aumento do pH, e acontece quando a silagem foi mal compactada.
Os microrganismos envolvidos na instabilidade aeróbica são os fungos, leveduras, bacilos e algumas BAL, que em aerobiose se alimentam do ácido lático. Alguns cuidados para diminuir os riscos de instabilidade aeróbica:
- corte, enchimento e fechamento do silo de forma rápida.
- boa compactação,
- retirada diária suficiente.
- não abalar a frente do silo.
- quando, por qualquer motivo, a compactação for prejudicada, utilizar bactérias produtoras de ácido acético e proprionica, que atuam como fungistáticos, como inoculantes.
Quando temos falha nas boas práticas de confecção de silagem (baixa compactação, silagens passadas do ponto de corte, com teor de MS alto ou silagem de dificil compactação, vamos a outra opção que os inoculantes podem ter.
Para esses casos devemos utilizar além das bactérias láticas, bactérias propiônicas ou bactérias heterofermentativas (L. Buchneri, que produzem também ácido acético). Tanto o ácido acético quanto o ácido propiônico possuem ótima ação fungistática, sendo o ácido propiônico o mais eficiente 15 a 16 vezes mais forte que o ácido acético. Essa ação fungistática é importante pois o aumento de temperatura no painel do silo é causado por fungos, que também produzem micotoxinas.
Em seguida estão os resultados com a bactéria Propiônica e o L.Buchneri:
Efeitos na estabilidade da silagem:
Profundidade da penetração de ar e fatia retirada diariamente na temperatura da silagem. MS aproximada 35%.
Em um estudo foi observado o efeito da bactéria propiônica na temperatura do grão úmido ensilado durante a exposição aeróbica, mostrando que a silagem inoculada teve uma temperatura menor nos dias 3 e 4 de exposição aeróbica.
Neste mesmo trabalho podemos ver que a contagem de fungos e leveduras também foi menor quando utilizado a bactéria propiônica:
São poucos os estudos que abordam o impacto da inoculação com L. buchneri sobre o desempenho animal, mas nesses trabalhos podemos verificar que a alimentação de silagem inoculada com L. Buchneri não melhorou a produção de leite e o consumo de matéria seca das vacas leiteiras em lactação.
Certo pesquisador sugeriu que os inoculantes L. Buchneri precisa de pelo menos 45 dias para melhorar a estabilidade aeróbia. Isso é apoiado em nova meta-análise porque a magnitude da melhoria na estabilidade aeróbia foi maior após 90 dias de ensilagem, e uma tendência semelhante foi evidente após 61 a 90d versus durações de ensilagem mais curtas.
Outra meta-análise mostrou que a estabilidade aeróbia de silagem de milho não tratada (25 h) foi aumentada para 35 h quando inoculado com L. Buchneri com ou abaixo de 1 × 105 cfu /g e a 503 h com mais de 1 × 105 cfu /g. Mostrando que a estabilidade aeróbia aumentou apenas com taxas de 1 x 105, 1 x 106 e ≥ 1 x 107 cfu /g.
Nada substitui as boas práticas para a confecção de silagem, o inoculante é uma ótima ferramenta para padronização da fermentação. Em situação normal a escolha vai ser sempre as bactérias láticas pois tem o poder de diminuir as perdas e melhorar a palatabilidade e o desempenho dos animais.
No caso de silagens de difícil compactação ou falhas no ponto de colheita, bactérias propiônicas e L. Buchneri são duas ótimas opções para minimizar o problema que com certeza vai ocorrer. Mas existem trabalhos que o L. Buchneri diminuiu consumo de MS e aumentou a perda de MS nas silagens.
Fonte: O Presente Rural