Quantos dias um boi aguenta sem beber água? Veja dicas de planejamento hídrico

30 Jul 2021
Em entrevista concedida ao Giro do Boi que foi exibida no programa desta quinta-feira, dia 1º, o médico veterinário especialista no assunto Fernando Loureiro falou sobre a importância do produtor estar atento neste momento de entrada de seca à execução de seu planejamento hídrico. Em meio à seca de 2020, o Loureiro chegou a atender propriedades que estavam sem água para seus animais, um risco muito alto, já que o bovino pode vir óbito depois de quatro dias sem hidratação.
“Ocorreu, ocorre e infelizmente vai ocorrer novamente. Continua ocorrendo (falta de água nas fazendas de pecuária) porque o planejamento hídrico ainda não é uma realidade de todas as fazendas de pecuária no Brasil. Ano passado a gente teve a oportunidade de correr para socorrer fazendas que ficaram sem água. Os mananciais foram secando, os açudes, as represas, inclusive nós temos aqui respondido e documentado com imagens em respostas que já demos aqui pelo Giro do Boi – vocês podem recorrer sempre pelo site – em que se mostra uma mesma represa, uma mesma lagoa secando e aí fica aquela água barrenta, escassa, e infelizmente algumas fazendas ainda perdem animais por falta de água de beber”, alertou Fernando.
E se servir água barrenta do açude para os animais, não ter água nenhuma é mais trágico ainda. “A gente tem que pensar que o Brasil tem um pouco mais esse dilema. São 210 milhões de cabeças de bovinos ou 200 milhões e é muito gado. Todo esse gado precisa beber água todo dia, o animal não fica um dia sem beber água. A partir do terceiro ou quarto dia, ele já entra em processo de não retorno, ou seja, três a quatro dias sem beber água levam o animal ao óbito, ele morre. […] O animal consegue ficar 15 a 20 dias sem comer, mas sem beber, no quarto dia ele já provavelmente vai apresentar óbito. […] Então os animais vão beber em sua grande maioria a água que tem, água de açude, água de represa, mas essas águas vão ser muito melhor aproveitadas para a produção, para o desempenho do animal, se a gente puder levá-las para um bebedouro artificial, para uma pilheta, seja ela do material que for, aonde a gente controla, exerce a gestão da limpeza do bebedouro, em que água que a gente está servindo estará livre de sujidades, de contaminantes e principalmente do esterco e a urina dos animais e carcaças de pequenos animais silvestres mortos da aguada. Então a gente precisa estar sempre preocupado e ir melhorando aquelas fazendas em que todas as aguadas são naturais de rios, riachos e açudes e se preocupando gradualmente, instalando pilhetas e bebedouros artificiais”, afirmou.
“Os animais que bebem uma água limpa, pura, bebem mais água e, bebendo mais água, eles comem melhor, vão ingerir mais capim e mais suplemento. E aí o desempenho vai ser outro, vai ser maior a engorda, maior a produção de leite e a rentabilidade da produção da fazenda também vai ser acelerada e aumentada”, justificou.
Fernando lembrou que a partir deste momento, a atenção para a disponibilidade de água deve ser redobrada. “A partir de 1º de julho, no Brasil Central e na grande maioria do Brasil, teremos meses de estiagem, de seca, e a gente precisa ter uma reserva de água para servir a esses animais nos meses de julho, de agosto, setembro e outubro. Em algumas regiões só vai chover em novembro! Então a gente precisa ter essa reserva para não ser pego de calça curta e os animais terem um problema de falta de água”, alertou.
Fernando lembrou que uma das maneiras de começar o planejamento hídrico da fazenda é por meio de planilhas de leitura de bebedouro. “Eu considero a água o principal nutriente dos bovinos. Por que o principal? Porque sem água não se vai a lugar nenhum. […] Eu desenvolvi uma planilha com a ajuda de colaboradores, pesquisadores, professores de faculdade, sempre questionando o que era importante se observar na água. E ela ficou bastante completa ao ponto de ser boa, completa, mas de se preocupar um pouco porque seria muita informação para quem ainda não colheu nenhuma. Os colaboradores, os peões de campo, os campeiros, os vaqueiros podem levar a planilha junto no cavalo, ou dobrada no bolso ou uma ficha já numa pastinha, levar a caneta e anotar em cada pasto a sua aguada. Anotar como está o bebedouro, como é o aspecto geral, se ele ainda tem rachaduras, trincas, vazamentos, se ele precisa de manutenção urgente, neste momento, para não impactar, ou se ele pode aguardar um momento… E ele vai anotando isso na ficha, está ali catalogado. Deve tomar nota do aspecto visual da água porque isso vai dizer muito para cada um, se a água está com transparência, se ela está opaca. Com a mão mesmo ou pela proximidade, sentir o odor dessa água porque o animal sente como nós o odor e a água que tem cheiros estranhos, cheiros não agradáveis. Aí o animal deixa de beber ou bebe muito pouco. Bebendo menos, o desempenho cai, como já foi retratado”, detalhou.
“A gente vai poder começar a avaliar, na água, algo que pouquíssimas fazendas o fazem, mas é simples de se iniciar a prática, que é a mensuração do pH, que nos diz muito. A água tem que ter um pH neutro, que é o 7. A água muito ácida, abaixo de 7, causa alguns impactos e o animal bebe menos. Da mesma forma, a água muito alcalina, a água com pH básico, acima de 8, numa escala que vai de 1 a 14, isso também já prejudica o consumo espontâneo dos animais e eles vão beber menos água. Tudo isso a gente vai anotar na ficha com a pessoa responsável que fez aquela avaliação. Inclusive eu sugiro que se adapte e faça nas fazendas as anotações de como está o estado da aguada natural. O açude, a lagoa, como está o acesso, a chegada na água? Está muito barrento, o animal tem dificuldade de descer até a água e depois voltar? Está com crescimento de muitas plantas em volta e o animal tem pouco acesso? Isso vai ajudar no planejamento para que o animal não fique sem água e que não atole no barro também”, acrescentou.
SUPLEMENTO SUJA MAIS O BEBEDOURO DE ÁGUA?
“Com certeza, pelo sistema do manejo, e ainda mais nesta época, em que todos, inclusive quem faz produção a pasto, vão suplementar mais com suplementos proteicos, com os farelados, as rações. […] A ureia se dissolve muito rapidamente na boca do animal e essa é uma pergunta bastante frequente. A ureia se dissolve em amônia e a amônia é tóxica. Quando o boi Ingere a ureia, ela vai se dissolver em contato com a saliva do animal e depois no rúmen e aí ela libera o nitrogênio, e aí não tem problema. Mas se ela já está dissolvida no cocho pela água da chuva, pode gerar intoxicação, sim, então essa é uma pergunta bastante frequente. A distância do cocho do suplemento com ureia até o bebedouro. Mas não ocorre esse problema, a gente não tem problema do animal estar recebendo um ureado e ir ao bebedouro beber água e por isso, porque ele já teve o contato com a saliva, o animal já engoliu aquele suplemento e vai ter o suco gástrico no rúmen do animal. Não dá problema”, tranquilizou.
“O que a gente quer dizer com relação à suplementação desse período que se inicia agora, de entressafra, quando se acentua a suplementação de farelados, é que o animal carreia esse farelo no momento que vai beber água. Ele leva ao bebedouro e esse produto vai ser a matéria orgânica. Matéria orgânica são todas as matérias que contém nitrogênio, que é a base da proteína. Dentro da água, com o nosso clima Brasil, a incidência de raios solares, ela encontra o ambiente perfeito para o crescimento. Aquela matéria orgânica passa a ser substrato, o alimento para crescimento de bactérias, de vírus, de protozoários que podem vir a causar danos gastrointestinais nos animais. Então curso de bezerro, queda de desempenho… É por isso que a gente recomenda a limpeza frequente, o mais frequente possível, dos bebedouros. No confinamento, a gente recomenda que se lave bebedouros todos os dias […] e remova o excesso de matéria orgânica, esfregue as paredes, tire todo aquele limo que está crescendo e o animal vai beber uma água sempre fresca, limpa, livre de sujidade”, recomendou.
COMPENSA LAVAR O BEBEDOURO DO CONFINAMENTO TODO DIA?
Aumentar a frequência de lavagem dos bebedouros é uma consequência da intensificação da propriedade. “(No confinamento) Vai se investir naquele resultado para que se possa obter em menor tempo o maior ganho possível. Isso é um investimento. E passa pela lavagem diária do bebedouro. Vai precisar de mais gente. Um funcionário só não lava 50 bebedouros num dia, então vai precisar de mais de um, às vezes três, às vezes cinco pessoas encarregadas desse processo. E aí quando se pensa só em custo, a propriedade acaba optando por não fazer. Mas eu vou te dar um número de receita. Tem mensurado num confinamento que é parceiro aqui de vocês. O técnico deles fez a sua tese de mestrado em cima dessa área. O estudo foi publicado em revista segmentada do setor, que é do Grupo Mantiqueira, em Água Boa-MT, e foi o nderson Panzera, zootecnista, que fez o trabalho e mensurou a questão de lavar o bebedouro todo dia comparado à prática usual do confinamento, de lavar dia sim, dia não. E o resultado diferencial foi de 280 gramas a mais de ganho por dia para os animais que estavam nas baias em que se lavava o bebedouro todos os dias. […] Para quem tem um confinamento de 300 cabeças, ganhar 280 gramas é muito melhor porque vai impactar muito mais no bolso. E aí você que tem muitas pilhetas vai precisar de mais gente porque em um confinamento de 300 cabeças, dois funcionários conseguem tocar, mas num confinamento de 10.000 cabeças vai ter muita gente envolvida no processo”, calculou.
Em sua participação no programa, ainda deu tempo de o veterinário responder perguntas do público. Veja não sequência:
– Os produtos à base de cloro para uso em água para consumo animal precisam ser registrados ou autorizados pelo Ministério da Agricultura? (Georgia Cândido, de São Paulo-SP)
Loureiro: Já existem produtos à base de cloro já certificados e liberados para uso pela Anvisa, pelo Ministério, sim, e a avicultura e a suinocultura estão mais à frente, mais adiantadas do que a linha que a gente trabalha na bovinocultura de corte. Então ele já tem essas exigências e tem os produtos nas principais casas de produtos veterinários, onde você vai encontrar o cloro destinado para esse fim. Em relação à normatização, até onde eu tenho acompanhado, por exemplo, no rebanho de bovinocultura leiteira, existe água clorada para a limpeza de instalações e equipamentos, mas não na água que os animais bebem, aquela que está lá fora, nos piquetes, no campo. Então ainda não tem uma instrução normativa obrigando que a água seja clorada, mas a gente já tem conhecimento dos estudos, dos benefícios da água clorada. O cloro é utilizado para poder fazer a sanitização da água de consumo humano há mais de 100 anos. No Brasil, a gente tem mais de 4.000 municípios que já têm a água tratada, servida clorada para o nosso consumo humano. A gente deve estender isso porque é um tratamento simples, fácil de se fazer na fazenda e de baixíssimo custo. Muito eficiente e com baixo custo. Agora o que ocorre com o cloro, que talvez seja uma próxima pergunta, é o receio, o risco, o medo de prejudicar o desempenho dos animais via interferência na flora ruminal. Não tem interferência nenhuma, desde que não se faça uma superdosagem, que não se erre a dosagem do cloro.
– Colocar uma pequena quantidade e em um dia só de cloro granulado na água pode provocar o aborto de vaca? (Álvaro de Oliveira Lima, Colinas-TO)
Loureiro: Não tem uma correlação com o aborto de suas vacas. Se você tiver algum caso de aborto, a minha sugestão é que procure um colega veterinário e faça uma avaliação de doenças reprodutivas, como a brucelose, a BVD, IBR, algumas doenças que podem estar levando a esse quadro. O cloro na água, eu volto a dizer, só prejudica se estiver errada a dosagem em superdosagem, uma quantidade muito grande, mas que ainda assim não vai levar ao aborto. Claro, o aborto poder ser uma consequência pelo desequilíbrio, mas quando a água está muito clorada, a primeira coisa que acontece […] é que os animais sentem muito o cheiro. A primeira coisa é que se ele chegar num bebedouro em que a água esteja com excesso de cloro, ele vai sentir o cheiro e vai te dar sinal. Se estiver fazendo a leitura do bebedouro, como a gente falou, o funcionário […] observa que o animal refuga aquela água, ele chega, cheira… Se ele não tiver outra água, ele vai beber. Mas a chance de intoxicar o animal a ponto de desequilibrar toda a flora ruminal dele e levar a um quadro abortivo é praticamente zero, insignificante.
– Tenho um reservatório de 120 mil litros que distribui água para cinco bebedouros de dez mil litros. Como eu consigo colocar um cloro flutuante? (Francisco Cárneo Vicentini, de São Miguel do Araguaia-GO)
Loureiro: A gente tem recomendado bastante essas pastilhas flutuantes. As empresas de casa de piscina vendem os flutuadores, mas a gente já demonstrou também aqui pelo Giro do Boi uma adaptação caseira, simples, dá para fazer com aquelas espumas de fazer hidroginástica (relembre neste link), que todo mundo tem, todas as cidades têm, é aquele que o pessoal chama de macarrão, que é uma espuma. Adapte aquilo que fica muito bom, simples, […] e aí coloque a pedra de cloro e ela fica flutuando. Ali ocorre uma lenta liberação de cloro, pois a pastilha está sempre em contato com a água. O cloro precisa agir com a água por pelo menos 30 minutos para matar os germes, as bactérias, os vírus e os protozoários. E ele é menos eficiente para vírus e protozoários, em bactérias ele é eficiente. Mas precisa de 30 minutos. Então sempre deve estar flutuando.
Fonte: Canal Rural